A Paz Dos Vagabundos

A Paz Dos Vagabundos - A trama está à espreita da vida marginal da Grande Vitória. Os moradores de rua, alvos do esquecimento.

A literatura é um dos poucos braços da arte que, quando bem-sucedida, vive às sombras da linha de montagem. Isto é, um trabalho primário paga as contas dos livros que não vendem. Escrever livros é o hobby dos grandes escritores. Bate à porta do autor iniciante, na melhor das hipóteses, o silêncio.

De que se faz, então, um sujeito que cria palavras? Para Deleuze, um escritor é um ser sempre à espreita. Feito um animal habituado à caça incessante, guarda os dentes e não lambe os olhos com as pálpebras até que a presa se apresente, versando desatenta em território de ninguém. Daí, sujo de sangue, vai às páginas.

No andar de baixo, Bukowski simplifica: é preciso beber cerveja. “A cerveja é o sangue contínuo”, ele diz. Sabe-se que em Bukowski há dor, muita dor, ainda que o visual durão e o álcool cubram as cicatrizes do tempo. Borges é honesto: “o antigo alimento dos heróis: a humilhação, a desgraça, a discórdia.” A argila do grande escritor é mormente a tristeza.

Na teia do fazer literário, intrincamo-nos nas respostas – a dúvida, não raro desprezada, aqui significa acerto: a literatura se faz de busca, nunca de achado. O livro é uma conversa sobre as nossas incertezas, nunca sobre a verdade.

João Chagas é escritor. Está à margem, sempre esteve. Sei disso porque nascemos, de certa forma, da mesma árvore: no Cronópio, grupo da Ufes destinado à literatura, Chagas trafegava nas ruelas do silêncio.

Era o cara das Letras que, afastado do trato duro e funcional que jornalistas e publicitários davam às palavras, entendia o vernáculo em todas as suas delicadezas. Isso está em A Paz Dos Vagabundos, de ponta a ponta.

A trama está à espreita da vida marginal da Grande Vitória. Os moradores de rua, alvos do esquecimento, têm seus tecidos conjecturados por Chagas nesta estreia de narrativa crua e sensível. Não há muitas concessões àquela vida, entretanto. Há muito humor e bebida, mas tampouco são permissivos.

Em determinados momentos, o autor perturba com frases simples de efeito contínuo: “Em algum momento, um mês pra dentro, sentiu-se como se estivesse perdendo tudo que tinha e ele já era morador de rua.” Há linhas mais duras, como sentenciada por um carrasco: “um breve lampejo de lucidez para entender a tosse prescrevendo a cova.”

Há bebida, como quer Bukowski; há dor, Borges. Todos os personagens são conduzidos pela frustração generalizada, pelo ascetismo da resignação frente ao mundo de concreto. São feito gados em regime de hora extra antes do abate.

Há outra gravidade em A Paz Dos Vagabundos: a estranha segurança narrativa de um estreante. Chagas reflete, em menos de uma centena de páginas, sobre o ato de narrar sem se acomodar na metalinguagem gasta de escritor-fala-sobre-escrever.

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A Paz Dos Vagabundos - A trama está à espreita da vida marginal da Grande Vitória. Os moradores de rua, alvos do esquecimento.

A literatura é um dos poucos braços da arte que, quando bem-sucedida, vive às sombras da linha de montagem. Isto é, um trabalho primário paga as contas dos livros que não vendem. Escrever livros é o hobby dos grandes escritores. Bate à porta do autor iniciante, na melhor das hipóteses, o silêncio.

De que se faz, então, um sujeito que cria palavras? Para Deleuze, um escritor é um ser sempre à espreita. Feito um animal habituado à caça incessante, guarda os dentes e não lambe os olhos com as pálpebras até que a presa se apresente, versando desatenta em território de ninguém. Daí, sujo de sangue, vai às páginas.

No andar de baixo, Bukowski simplifica: é preciso beber cerveja. “A cerveja é o sangue contínuo”, ele diz. Sabe-se que em Bukowski há dor, muita dor, ainda que o visual durão e o álcool cubram as cicatrizes do tempo. Borges é honesto: “o antigo alimento dos heróis: a humilhação, a desgraça, a discórdia.” A argila do grande escritor é mormente a tristeza.

Na teia do fazer literário, intrincamo-nos nas respostas – a dúvida, não raro desprezada, aqui significa acerto: a literatura se faz de busca, nunca de achado. O livro é uma conversa sobre as nossas incertezas, nunca sobre a verdade.

João Chagas é escritor. Está à margem, sempre esteve. Sei disso porque nascemos, de certa forma, da mesma árvore: no Cronópio, grupo da Ufes destinado à literatura, Chagas trafegava nas ruelas do silêncio.

Era o cara das Letras que, afastado do trato duro e funcional que jornalistas e publicitários davam às palavras, entendia o vernáculo em todas as suas delicadezas. Isso está em A Paz Dos Vagabundos, de ponta a ponta.

A trama está à espreita da vida marginal da Grande Vitória. Os moradores de rua, alvos do esquecimento, têm seus tecidos conjecturados por Chagas nesta estreia de narrativa crua e sensível. Não há muitas concessões àquela vida, entretanto. Há muito humor e bebida, mas tampouco são permissivos.

Em determinados momentos, o autor perturba com frases simples de efeito contínuo: “Em algum momento, um mês pra dentro, sentiu-se como se estivesse perdendo tudo que tinha e ele já era morador de rua.” Há linhas mais duras, como sentenciada por um carrasco: “um breve lampejo de lucidez para entender a tosse prescrevendo a cova.”

Há bebida, como quer Bukowski; há dor, Borges. Todos os personagens são conduzidos pela frustração generalizada, pelo ascetismo da resignação frente ao mundo de concreto. São feito gados em regime de hora extra antes do abate.

Há outra gravidade em A Paz Dos Vagabundos: a estranha segurança narrativa de um estreante. Chagas reflete, em menos de uma centena de páginas, sobre o ato de narrar sem se acomodar na metalinguagem gasta de escritor-fala-sobre-escrever.

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