
O realismo literário de Honoré de Balzac, tendo os conflitos da elite francesa do século XIX como essência, é tema do livro A Sociedade Burguesa De Um E Outro Lado Do Espelho, do escritor português João Bernardo. A obra traz, com grande riqueza de detalhes, a trajetória de Balzac, um dos mais proeminentes romancistas europeus e autor da chamada La Comédie humaine, que com um viés excessivamente psicológico construiu personagens, revelou costumes e linguagem típicos do período vivido pelo escritor francês.
Balzac entendeu que um personagem literário não é real por ser imitado das figuras humanas, mas por ser criado consoante o mesmo conjunto de determinações que preside à formação das pessoas reais. “Os personagens de cada história movem-se numa esfera cujos limites são os da própria sociedade», explicou ele num dos prefácios de Illusions perdues.
Inúmeras vezes Balzac interrompeu a descrição dos personagens ou o enunciado das suas ações para introduzir considerações de caráter geral, formuladas como leis que encontram ilustração nos personagens e no seu comportamento. É um dos maiores êxitos estilísticos do romancista, esta capacidade de navegar entre o concreto e o abstrato sem que jamais o concreto perca a realidade específica, sem que as figuras cuja existência íntima é invocada para demonstrar leis gerais apareçam por isso como símbolos desencarnados.
Nesta dialética somos nós que nos situamos, entre a nossa ignorância de nós mesmos e o nosso conhecimento das leis da sociedade; e em vez de a realidade da Comédie ficar enfermada, pelo contrário, reforça-se. É difícil encontrar uma aplicação mais exímia desta técnica do que em La Duchesse de Langeais, uma novela que inclui uma extensa digressão de caráter social e político, onde o autor preveniu que “estas ideias exigem desenvolvimentos que pertencem essencialmente a esta aventura, na qual participam tanto na definição das causas como na explicação dos fatos”.
Apesar do seu extremo rigor, este sistema de determinações não converte em marionetes os personagens de La Duchesse de Langeais e, ao mesmo tempo que se apresenta como um enunciado teórico de causas, a novela é tecida nos seus efeitos com avassaladoras paixões individuais. Assim como tomou as farsas e tragédias do livre-arbítrio enquanto exemplos do funcionamento das leis gerais, Balzac partiu igualmente das leis gerais para mostrar como elas explicam a liberdade humana.
