“Vô, a vida às vez não é feliz, às vez é feliz, e é sempre assim até o dia que você morre”.
É assim que Pictorial Review Jackson (Pic), um menino negro do Sul dos Estados Unidos, vê o mundo – com a sutil inocência de uma criança. Depois da morte do avô, ele se vê sozinho e sem perspectivas até Slim, seu irmão mais velho, resgatá-lo. Juntos, começam uma aventura da Carolina do Norte até a Califórnia, passando por Nova York, onde tudo é novidade aos olhos do garoto.
Com este último romance, Kerouac mostra sua capacidade de reinventar o próprio estilo e se declara herdeiro de Mark Twain, nessa que é sua mais doce história, narrada do ponto de vista do menino do interior. O livro, publicado em 1971, dois anos depois da morte do autor, começou a ser escrito bem antes, ainda na década de 50. Se On the Road é o espelho da ferocidade da juventude, PIC traduz a ternura e a inocência do final da infância.
É na estrada que Pic conhece o mundo, e é a sua voz que conduz esta narrativa de descobertas. Do Sul para o Norte dos Estados Unidos, cruzando de ônibus a linha Mason-Dixon, Pic, na companhia de seu irmão mais velho, vai descobrir uma nova vida em Nova York. Ao chegar na cidade grande, tudo o alucina: o jazz, as luzes, os arranha-céus que ofuscam a pobreza em que o irmão e a esposa grávida vivem. A salvação – se é que ela existe – parece estar do outro lado do país, no extremo oeste da Califórnia.
Por trás da história do pequeno Pic, Jack Kerouac retrata a formação de um menino em meio ao contexto de segregação racial vigente nos Estados Unidos dos anos 40, que por sua vez remete a um passado – nem tão distante – de escravidão. Em PIC, a experimentação da narrativa em primeira pessoa em busca de uma linguagem autêntica explode num texto predominantemente coloquial – delicado ao retratar esses dois irmãos que estão em busca de uma vida melhor e áspero ao mostrar a realidade tão dura na qual estão inseridos.
Publicado postumamente, em 1971, PIC começou a ser escrito na década de 50 e teve um papel importante no desenvolvimento dos experimentalismos estilísticos que seriam levados às últimas consequências no clássico On the Road. Trata-se de um texto sui generis na obra do autor, considerado por muitos a comprovação de que Kerouac podia escrever sobre todo e qualquer assunto.