A Sangue Quente

Toda a reportagem a respeito dos acontecimentos que conduziram e se seguiram à morte do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI de São Paulo

No dia em que o jornalista Vladimir Herzog morreu o medo quase entrou em pânico, e a maioria de nós conheceu, fosse por alguns daqueles momentos, o limite entre poder continuar se comportando como seres humanos ou como galináceos.

Um moço procurou o encarregado de assinaturas do Ex-, altas horas da noite e pediu que sua "ficha de assinante" fosse cancelada, se possível rasgada e incinerada.

Um anunciante mandou suspender o anúncio de roupa jovem, alegando ameaças telefônicas "contra todos nós". Um senhor enviou documento (registrado em cartório!), anulando o pedido de assinatura do Ex- que a filha estudante fizera dias antes.

O jornal vinha sendo dirigido, fazia cinco meses, por Hamilton Almeida Filho. Conheci-o no começo de 1964, recém-chegado do Jornal do Brasil para a sucursal paulista de O Cruzeiro.

Vinha precedido por um halo de diz-que-diz: já era comentário, entre os jornalistas de São Paulo, que no Rio de Janeiro crescia "um talento precoce", um repórter de política de 16 anos de idade…

Nascido a 20 de janeiro de 1946 em Taubaté (SP) mas registrado e educado no Rio, primeiro na Zona Norte, depois no Catete, às portas do palácio presidencial da velha capital da República, Hamilton saiu direto do ginásio para a redação de A Noite.

Começava aos 15 uma carreira que, dezessete anos depois, viria lhe valer este juízo de Samuel Wainer: "Um dos mais brilhantes representantes da nova geração jornalística do pais".

Repórter, redator e editor em muitas das publicações que marcaram a renovação da imprensa brasileira -, o próprio Jornal do Brasil, Jornal da Tarde, Última Hora, Veja, Bondinho e, finalmente, Ex-, cuja direção assumiu em julho de 1975.

O Ex-16 (novembro) estava pronto para ser impresso, quando a tragédia tocou o telefone. "Já soube do Vladimir Herzog? Pois é, infelizmente ele morreu."

Um transe.

"Nós não sabíamos de nada. E agora?" Nos dez dias seguintes, a redação do Ex- transformou-se numa central de informações, e Hamilton, no chefe de uma super-reportagem: em campo, os vinte editores efetivos do Ex- (inclusive ele próprio), e mais uma dezena de repórteres dos demais jornais paulistas - alguns convidados, outros se colocando espontaneamente à disposição.

Nas ruas, no velório, no sindicato, no IML, no enterro, na missa, na cúria, nas redações, na casa do Vladimir Herzogo - a morte estava ao do nosso lado.

"Das tripas coração." Numa. noite chuvosa de a domingo, 2 de novembro, dia de Finados de 1975, seis mãos começaram a redigir o texto deste livro, A Sangue Quente.

Revezando-se na máquina, os três editores principais - Hamilton Almeida Filho, Narciso Kalil e eu - tecemos a história colhida em depoimentos, notas oficiais, observações pessoais, frases soltas, documentos, editoriais, laudos e notícias de jornais e revistas. Cerca de setenta laudas em quarenta horas de vigília. Não fazê-lo era como que fazer alguma coisa não-humana.

https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/diversos/sangue.pdf

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Toda a reportagem a respeito dos acontecimentos que conduziram e se seguiram à morte do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI de São Paulo

No dia em que o jornalista Vladimir Herzog morreu o medo quase entrou em pânico, e a maioria de nós conheceu, fosse por alguns daqueles momentos, o limite entre poder continuar se comportando como seres humanos ou como galináceos.

Um moço procurou o encarregado de assinaturas do Ex-, altas horas da noite e pediu que sua “ficha de assinante” fosse cancelada, se possível rasgada e incinerada.

Um anunciante mandou suspender o anúncio de roupa jovem, alegando ameaças telefônicas “contra todos nós”. Um senhor enviou documento (registrado em cartório!), anulando o pedido de assinatura do Ex- que a filha estudante fizera dias antes.

O jornal vinha sendo dirigido, fazia cinco meses, por Hamilton Almeida Filho. Conheci-o no começo de 1964, recém-chegado do Jornal do Brasil para a sucursal paulista de O Cruzeiro.

Vinha precedido por um halo de diz-que-diz: já era comentário, entre os jornalistas de São Paulo, que no Rio de Janeiro crescia “um talento precoce”, um repórter de política de 16 anos de idade…

Nascido a 20 de janeiro de 1946 em Taubaté (SP) mas registrado e educado no Rio, primeiro na Zona Norte, depois no Catete, às portas do palácio presidencial da velha capital da República, Hamilton saiu direto do ginásio para a redação de A Noite.

Começava aos 15 uma carreira que, dezessete anos depois, viria lhe valer este juízo de Samuel Wainer: “Um dos mais brilhantes representantes da nova geração jornalística do pais”.

Repórter, redator e editor em muitas das publicações que marcaram a renovação da imprensa brasileira -, o próprio Jornal do Brasil, Jornal da Tarde, Última Hora, Veja, Bondinho e, finalmente, Ex-, cuja direção assumiu em julho de 1975.

O Ex-16 (novembro) estava pronto para ser impresso, quando a tragédia tocou o telefone. “Já soube do Vladimir Herzog? Pois é, infelizmente ele morreu.”

Um transe.

“Nós não sabíamos de nada. E agora?” Nos dez dias seguintes, a redação do Ex- transformou-se numa central de informações, e Hamilton, no chefe de uma super-reportagem: em campo, os vinte editores efetivos do Ex- (inclusive ele próprio), e mais uma dezena de repórteres dos demais jornais paulistas – alguns convidados, outros se colocando espontaneamente à disposição.

Nas ruas, no velório, no sindicato, no IML, no enterro, na missa, na cúria, nas redações, na casa do Vladimir Herzogo – a morte estava ao do nosso lado.

“Das tripas coração.” Numa. noite chuvosa de a domingo, 2 de novembro, dia de Finados de 1975, seis mãos começaram a redigir o texto deste livro, A Sangue Quente.

Revezando-se na máquina, os três editores principais – Hamilton Almeida Filho, Narciso Kalil e eu – tecemos a história colhida em depoimentos, notas oficiais, observações pessoais, frases soltas, documentos, editoriais, laudos e notícias de jornais e revistas. Cerca de setenta laudas em quarenta horas de vigília. Não fazê-lo era como que fazer alguma coisa não-humana.

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