Nascido em Salvador em 1633 (ou 36) e morto no Recife em 1696, Gregório de Matos é, historicamente, o primeiro grande poeta do Brasil. Sua obra vasta e variada é talvez a mais importante herança cultural produzida pelo Barroco poético nas Américas portuguesa e espanhola – e conserva intactos, ainda hoje, grande parte de sua força literária, agudeza lírica e vigor político e social. Além disso, o poeta soube fixar satiricamente, numa linguagem vivaz que já deixa transparecer o gênio local na exploração de sonoridades africanas e tupis e que, na sua mordacidade feroz, não recua nem diante da pornografia, a dissolução de costumes da Bahia do século XVIII. É, portanto, um desses autores que conseguiram atravessar o duro teste do tempo, pois mantém-se atual em sua leitura dos descaminhos da sociedade brasileira.
Triste Bahia – peças satíricas e amorosas, sociais e políticas – traz o legado do “Boca do Inferno” para o meio eletrônico sem abdicar, contudo, do rigor editorial, pois toma como base o trabalho de José Miguel Wisnik, organizador do alentado volume Poemas escolhidos de Gregório de Matos.
Triste Bahia é uma obra essencial para estudantes do ensino médio e universitário, além de todos aqueles que desejam entender melhor as contradições do Brasil por meio da literatura. E entrar em contato com uma das poesias mais poderosas do nosso idioma, que ainda ressoa, tantos séculos depois.
Descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um bem freqüente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,
Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.