Os anúncios de jornais revelavam a mudança dos hábitos alimentares e a gula dos africanos. E como se vestiam e se comportavam. Analisados por Gilberto Freyre, aprendemos que só atentos ao que pode parecer trivial poderemos tentar adivinhar o dia a dia de uma casa com escravos.
Em nosso meio acadêmico, muitos são os livros que tratam do passado escravagista brasileiro. Algumas obras ressaltam a violência dos senhores e outras chamam a atenção para as formas de resistência empregadas pelos escravos para a preservação de suas culturas.
No entanto, pode-se dizer que um elemento que une as duas tendências historiográficas é o fato de que estudiosos de ambas as correntes utilizaram para a compreensão da realidade dos africanos no Brasil os anúncios publicados em jornais do século 19 que anunciavam a venda, a compra e a fuga de escravos.
Gilberto Freyre foi um dos primeiros intelectuais a alertar para a riqueza desses anúncios como fontes documentais para nos aproximar do universo do cotidiano dos escravos. Esta é uma de suas obras mais instigantes.
Este livro, editado pela primeira vez em 1961, começou a ser escrito logo depois ou um pouco antes do aparecimento, em fins de 1933, de Casa-grande & senzala. Teve primeiro a forma de uma conferência, “O escravo nos anúncios de jornal do tempo do Império”, feita no Rio de Janeiro, na Sociedade Felipe d’Oliveira, e publicada em número de 1934 da revista Lanterna verde.
A essa conferência seguiu-se, logo depois, uma comunicação, “Deformação de corpo dos negros fugidos”, lida no 1º Congresso Afro-brasileiro do Recife e incluída nos Novos estudos afro-brasileiros, livro no qual se recolheram, em 1937, os trabalhos apresentados àquele encontro.
Destaco as datas para ressaltar o caráter pioneiro desses ensaios de Gilberto Freyre. Ainda que Joaquim Nabuco, numa página de O abolicionismo, se tivesse servido dos anúncios de escravos nos jornais para atacar o regime escravista, ninguém, no Brasil, havia, até então, sobre eles se debruçado como fonte histórica. Nem no Brasil, nem, de forma persistente e metódica, nos Estados Unidos ou na Europa.