
A origem e o destino das antologias literárias no Brasil permanecem matéria explosiva. É próprio delas (na sua enorme maioria, ou quase totalidade) expor lacunas, movimentar desconfortos, animosidades, espicaçar conjecturas sobre escolhas, ausências, dinâmica de organização etc., o que sempre confirmará o óbvio: que todas – absolutamente todas – obedecem ao crivo da razão, do sentimento e gosto pessoal do antologiador, mesmo o mais bem intencionado dos seres.
Algumas ficam como marco ilustrativo da produção literária de uma dada geografia humana, cuja evolução psicológica acentua (às vezes, até determina) o manancial de traços estilísticos e temáticos, impondo qualidades expressionais a um cerrado universo de densidades que o tempo não apaga.
Outras perfilam um roteiro previsível da rama mais ou menos coincidente das exposições e cacoetes…
Esta Antologia Panorâmica Do Conto Baiano: Século XX, com organização e nota introdutória de Gerana Damulakis, carrega consigo um primeiro valor, inquestionável, que é o da apresentação em perspectiva da prática do gênero conto na Bahia.
Sua forma panorâmica talvez devesse apreender um sentido e distribuição diacrônicos, evoluindo do mais antigo ao mais recente contista, justamente para municiar o leitor de um olhar retrospectivo e perspectivo a propósito da evolução estética do conto entre nós – gênero que alcançou um prestígio extraordinário nos anos 70/80 e vem dando ultimamente sinais de combalimento, o que antologias como esta podem reorientar, tornando nítido, ao lado de uma proposta revisora, um signo afirmativo de revitalização. Afinal, novos olhares sempre impõem renovados imperativos estéticos.
A opção de Gerana Damulakis foi pela apresentação dos contistas na ordem alfabética dos nomes, o que, se traduz uma certa convencionalidade de disposição, também terá o mérito de fundir estilos e épocas distintos, reunindo um autor dos começos do século, oriundo das tendências do conto na feição finissecular do 19, como Almáquio Diniz ou Afrânio Peixoto, ao produtor de linguagens mais contemporâneas, a exemplo da voz feminina de Állex Leilla, da presente geração de novos e novíssimos.
Os contos exprimem desde um ríctus iniciático e patético, presente no drama sentimental e amoroso no conto (longo demais, lugarcomum demais) de uma Amélia Rodrigues aos modernos experimentos psicológicos, fabulário memorial, imaginário disperso na mais múltipla e polimórfica das experiências, onde a realidade nem sempre é o que mais importa, mas sua transfiguração.
