Pensar Debruçado

Existem maneiras de olhar desde o alto, como quem se assegura de uma perspectiva geral, de um domínio transcendental ou de poder sobre os demais, por outro lado, há olhares humildes e mais próximos que abraçam a natureza das coisas prosaicas e elementares.


Partindo de algumas breves páginas de Sodoma e Gomorra de M. Proust, Didi-Huberman procede à análise desse instante memorável em que o olhar do narrador, doente e cansado, num gesto trivial, se debruça, sobre si mesmo para abraçar sentidas emoções. Com esse gesto ergue-se diante de si um processo de rememoração visual e afetiva, um momento paradoxal onde a banalidade da ação - tirar os sapatos - se conjuga com a presença dolorida de intensas reminiscências.
Com extrema acuidade, Didi-Huberman examina a dialética desse ato, onde coabita o “nada” e a sobrevivência, a destruição e o indestrutível, mas também a dor e o desejo do narrador. Rememorar torna-se essa dinâmica do gesto, um vaivém indissociável do ato de escrever e de pensar.
Pensar debruçado configura-se assim como um poema de gestos da qual dependem a visão e o pensamento. Neste ponto a experiência proustiana entrecruza-se com a experiência interior de G. Bataille, ao questionar a intimidade da tensão visual da distância como um processo corporal de encaixamento-desencaixamento, simultaneamente imagético e emotivo. Através de Merleau-Ponty, E. Strauss e L. Biswanger, compreende-se como este processo se concretiza em modulações existenciais e se subjetiviza em experiências de espaço e de tempo, ou seja, em emoções que, sendo do corpo, pertencem também ao pensamento.
Numa página célebre de Em Busca do Tempo Perdido, Marcel Proust faz uma descrição extraordinária – pela sua simplicidade e fineza – dessa experiência de elevação das coisas que ocorre na visão sobrepujante. Não se trata de uma queda, mas de um simples momento de mal-estar, de um cristal de tempo durante o qual o seu corpo se debruça, e em breve o seu pensamento, sob o efeito de uma emoção imprevista.

 

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Existem maneiras de olhar desde o alto, como quem se assegura de uma perspectiva geral, de um domínio transcendental ou de poder sobre os demais, por outro lado, há olhares humildes e mais próximos que abraçam a natureza das coisas prosaicas e elementares.
Partindo de algumas breves páginas de Sodoma e Gomorra de M. Proust, Didi-Huberman procede à análise desse instante memorável em que o olhar do narrador, doente e cansado, num gesto trivial, se debruça, sobre si mesmo para abraçar sentidas emoções. Com esse gesto ergue-se diante de si um processo de rememoração visual e afetiva, um momento paradoxal onde a banalidade da ação – tirar os sapatos – se conjuga com a presença dolorida de intensas reminiscências.
Com extrema acuidade, Didi-Huberman examina a dialética desse ato, onde coabita o “nada” e a sobrevivência, a destruição e o indestrutível, mas também a dor e o desejo do narrador. Rememorar torna-se essa dinâmica do gesto, um vaivém indissociável do ato de escrever e de pensar.
Pensar debruçado configura-se assim como um poema de gestos da qual dependem a visão e o pensamento. Neste ponto a experiência proustiana entrecruza-se com a experiência interior de G. Bataille, ao questionar a intimidade da tensão visual da distância como um processo corporal de encaixamento-desencaixamento, simultaneamente imagético e emotivo. Através de Merleau-Ponty, E. Strauss e L. Biswanger, compreende-se como este processo se concretiza em modulações existenciais e se subjetiviza em experiências de espaço e de tempo, ou seja, em emoções que, sendo do corpo, pertencem também ao pensamento.
Numa página célebre de Em Busca do Tempo Perdido, Marcel Proust faz uma descrição extraordinária – pela sua simplicidade e fineza – dessa experiência de elevação das coisas que ocorre na visão sobrepujante. Não se trata de uma queda, mas de um simples momento de mal-estar, de um cristal de tempo durante o qual o seu corpo se debruça, e em breve o seu pensamento, sob o efeito de uma emoção imprevista.

 

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