O Jogo Dos Olhos

Em O jogo dos olhos, Elias Canetti aborda o período de sua vida em que assistiu à ascensão de Hitler e à Guerra Civil espanhola, à fama literária de Musil e Joyce e à gestação de suas próprias obras-primas, Auto de fé e Massa e poder.

Terceiro volume de uma autobiografia escrita com vigor literário e rigor intelectual, O jogo dos olhos é também o jogo das vaidades literárias exposto com impiedade, o jogo das descobertas intelectuais narrado com paixão e o confronto decisivo entre mãe e filho traçado com amargo distanciamento.

Kant fängt Feuer (Kant pega fogo) — assim se chamava, então, o romance — deixara-me desolado. A queima nos livros era algo pelo qual não podia me perdoar. Não acredito que ainda lamentasse por Kant (o posterior Kien). Tanto mal fora-lhe infligido ao longo de todo o trabalho no livro, eu havia me atormentado tanto a fim de reprimir minha compaixão por ele — não me permitindo demonstrá-la nem mesmo da forma mais velada —, que pôr um fim a sua vida pareceu-me, do ponto de vista do escritor, sobretudo uma redenção.
Para essa libertação, porém, haviam sido empregados os livros, e que estes se consumissem em chamas foi para mim como se fosse eu próprio a arder. Sentia-me como se tivesse sacrificado não apenas meus livros, mas também os do mundo inteiro, já que a biblioteca do sinólogo continha tudo o que havia de importante para o mundo: os livros de todas as religiões, de todos os pensadores, os da totalidade das literaturas orientais, os das ocidentais que tivessem conservado em si um mínimo que fosse de vida. Tudo isso fora consumido pelo fogo, e eu permitira que assim fosse sem ao menos uma única tentativa de salvar alguma coisa. O que restou foi um deserto, agora nada mais havia além dele. Disso eu era culpado, pois o que se passa num tal romance não é meramente um jogo, mas uma realidade pela qual temos de responder perante nós mesmos, muito mais do que a qualquer crítica vinda de fora; e, ainda que seja um medo de grandes proporções o que nos impele a escrever tais coisas, permanece sempre matéria para reflexão saber se, ao fazê-lo, não estamos ajudando a produzir justamente aquilo que tanto tememos.

Links para Download

Link Quebrado?

Caso o link não esteja funcionando comente abaixo e tentaremos localizar um novo link para este livro.

Deixe seu comentário

Mais Lidos

Blog

O Jogo Dos Olhos

Em O jogo dos olhos, Elias Canetti aborda o período de sua vida em que assistiu à ascensão de Hitler e à Guerra Civil espanhola, à fama literária de Musil e Joyce e à gestação de suas próprias obras-primas, Auto de fé e Massa e poder. Terceiro volume de uma autobiografia escrita com vigor literário e rigor intelectual, O jogo dos olhos é também o jogo das vaidades literárias exposto com impiedade, o jogo das descobertas intelectuais narrado com paixão e o confronto decisivo entre mãe e filho traçado com amargo distanciamento.

Kant fängt Feuer (Kant pega fogo) — assim se chamava, então, o romance — deixara-me desolado. A queima nos livros era algo pelo qual não podia me perdoar. Não acredito que ainda lamentasse por Kant (o posterior Kien). Tanto mal fora-lhe infligido ao longo de todo o trabalho no livro, eu havia me atormentado tanto a fim de reprimir minha compaixão por ele — não me permitindo demonstrá-la nem mesmo da forma mais velada —, que pôr um fim a sua vida pareceu-me, do ponto de vista do escritor, sobretudo uma redenção.
Para essa libertação, porém, haviam sido empregados os livros, e que estes se consumissem em chamas foi para mim como se fosse eu próprio a arder. Sentia-me como se tivesse sacrificado não apenas meus livros, mas também os do mundo inteiro, já que a biblioteca do sinólogo continha tudo o que havia de importante para o mundo: os livros de todas as religiões, de todos os pensadores, os da totalidade das literaturas orientais, os das ocidentais que tivessem conservado em si um mínimo que fosse de vida. Tudo isso fora consumido pelo fogo, e eu permitira que assim fosse sem ao menos uma única tentativa de salvar alguma coisa. O que restou foi um deserto, agora nada mais havia além dele. Disso eu era culpado, pois o que se passa num tal romance não é meramente um jogo, mas uma realidade pela qual temos de responder perante nós mesmos, muito mais do que a qualquer crítica vinda de fora; e, ainda que seja um medo de grandes proporções o que nos impele a escrever tais coisas, permanece sempre matéria para reflexão saber se, ao fazê-lo, não estamos ajudando a produzir justamente aquilo que tanto tememos.

Link Quebrado?

Caso o link não esteja funcionando comente abaixo e tentaremos localizar um novo link para este livro.

Deixe seu comentário

Pesquisar

Mais Lidos

Blog