No início da década de 90, foi publicado O Mundo De Sofia, um livro que despertou entre os jovens do mundo inteiro o interesse por um gênero literário pouco comum nas estantes das livrarias e das bibliotecas: o romance filosófico.
Traduzido em mais de 50 idiomas, o livro de autoria do escritor norueguês Jostein Gaarder conta a história de uma jovem, Sofia Amundsen, que às vésperas de completar 15 anos passa a receber bilhetes anônimos contendo recados enigmáticos.
Nesses recados, são lhes apresentados questionamentos instigantes tais como de onde viemos?, o que somos?, qual a origem e o sentido da vida?, enfim, questões que desde sempre mobilizaram a ciência, a religião, a arte e, como não poderia deixar de ser, a filosofia.
Conduzida por esses questionamentos, Sofia inicia uma viagem instigante pelo mundo da filosofia, povoado por pensadores das mais diversas épocas e estilos de pensamento.
Entre esses questionamentos destaca-se a pergunta sobre o que há de indubitavelmente real em tudo que percebemos pelos nossos sentidos ou pensamos por nossas ideias.
Essa pergunta assume ares mais dramáticos e desafiadores quando entram em cena as ideias de um filósofo chamado George Berkeley, que Gaarder apresenta ao seu leitor como um decidido defensor da tese de que “não podemos saber se a nossa realidade exterior é constituída somente por ondas sonoras ou por papel e letras” e, portanto, “só podemos saber que somos feitos de espírito”.
Tudo o que supusermos existir além do nosso espírito – com suas percepções e pensamentos – será motivo para mergulharmos na mais profunda confusão filosófica.
George Berkeley nasceu em 1685 no condado de Kilkenny, na Irlanda. Ingressou no clero anglicano irlandês em 1721 e foi nomeado bispo em 1734. A vida religiosa favoreceu a sua dedicação à filosofia.
Entre os seus mais constantes interesses nesse campo, destacam-se as críticas aos filósofos que defendiam a existência de um mundo exterior e independente da nossa mente ou espírito – justamente o aspecto da filosofia de Berkeley escolhido por Gaarder para intensificar o drama existencial vivido por sua personagem Sofia Amundsen.
Berkeley teve uma extensa produção literária, cuja repercussão se deve sobretudo a dois livros: Tratado sobre os Princípios do Conhecimento Humano (1710) e Três Diálogos entre Hylas e Philonous (1713). O texto que você lerá a seguir é uma parte, o primeiro capítulo, desse último livro.
Os Três Diálogos foram escritos porque Berkeley julgara que o seu Tratado havia sido mal interpretado. Os objetivos de Berkeley eram, então, esclarecer as teses de sua principal obra e defender-se das acusações de que, contrariando todas as suas próprias intenções, ela promovia o ceticismo e o ateísmo.
Com esses objetivos em mente, ele constrói um diálogo entre dois personagens, Philonous e Hylas, cada qual com funções opostas: a Philonous caberá o papel do defensor da posição de Berkeley, e a Hylas, a tarefa de levantar os temas das discussões e apresentar questionamentos às teses defendidas por seu interlocutor.