
Os opostos complementares e a incerteza como constitutivos de um mundo e de um pensamento dialógico, aberto, ora fascinado ora sob o efeito terrível do assombro e do medo. Uma parte da tradição filosófica que vem lá de Heráclito, e que alcança nomes como os dos físicos modernos Niels Bohr e Werner Heisenberg, desde muito tempo pensou o mundo, a vida e o conhecimento desse modo. A tradição mítica da humanidade e a arte nunca tiveram problemas com isso. Em Produção De Conhecimento E Compreensão o leitor entra em contato com uma visão nova e aberta de epistemologia. Sem cercas, sem trancas, sem ferrolhos, onde possível.
A capa deste volume, Produção De Conhecimento E Compreensão, brinca com sentidos que nos projetam no campo da epistemologia. A epistemologia, liberta de amarras, pode muito bem ter a ver com toda a riqueza de formas que os humanos inventamos para nos compreendermos como cidadãos deste mundo: a ciência e a tecnologia tanto quanto a filosofia, as sabedorias de vida, os saberes míticos e religiosos, a arte, as narrativas todas, tudo aquilo que na vida tão trágica como às vezes cômica, tão triste de se possuir parcial (Fernando Pessoa), nos orienta e nos conduz um dia depois do outro, neste mundo “misturado” onde “viver é complicado” e o melhor a dizer da vida talvez seja que ela é “etcétera” (Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas).
Menos explicação, mais compreensão: o signo da explicação, com todo o peso de uma herança de séculos, não vai bem de saúde. Não, não vai. Nossa amiga explicação precisa com urgência descontrair, sorrir um pouco, tirar dos ombros tamanha responsabilidade e assumir que tanto o lado bom quanto o lado trágico da vida nem explicação admitem.
Não, a vida não é lógica. E tanta coisa há que invoca e evoca atitudes diferentes que a da razão explicadora. Às vezes, um sorriso. Outras, o assombro. Outra ainda, o silêncio. Menos portanto, mais talvez. O portanto nos lança no terreno pantanoso das explicações e das conclusões. É, não raro, um compromisso pesado demais, visto sob a ótica de uma compreensão possível, de uma busca de mais noções que conceitos.
A relação Eu-Tu (Buber) não poderia deixar de aparecer na capa deste livro, que pensa a epistemologia com a leveza de espírito dos enamorados. Nossa tradição de pensamento, essa filha dileta do nosso esforço e do nosso orgulho de séculos, vamos convir, põe um peso enorme sobre a ideia de objeto. Não faz mal algum ouvir o velho sábio judeu Martin Buber insistindo que o que nos institui e constitui como humanos é do terreno da relação. “No princípio era a relação.”
Ainda sobre a capa, tem mais essa brincadeira, quase uma provocação: rigor é bom, mas melhor ainda se acompanhado de vigor. A academia e os “clérigos” do cientificismo (Maffesoli) insistem, não sem razão, no rigor. Mundo do isso, isso, isso, diria Buber.
Vigor, por sua vez, tem algo a ver com vida. Um pensamento rigoroso não pode ser “triste e sem imaginação” (Boaventura de Sousa Santos). E a brincadeira, quase provocação, vai além, para afirmar a vitalidade do ensaio, esse modo entre herege (Adorno) e autoral (Montaigne) de expressão do pensamento.

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