
Às vezes mais leves e irônicos, outras vezes mais ásperos ou violentos, os contos se passam em Porto Alegre, no Canadá, na Argentina, nos Estados Unidos e em outros cenários.
Com um texto sem invenções e sem lições de moral, os contos ainda misturam referências incidentais de cultura pop que vão de Martin Heidegger a He-Man, de Platão a Pica-Pau, de Julio Iglesias a King Kong, passando ainda por outras tão díspares quanto Douglas Adams, Bach, Joy Division, Frank Sinatra, Nei Lisboa e outras menos explícitas.
O livro Pessoas Partidas é composto por 21 contos cujo tema comum seria o momento em que pessoas comuns são colocadas em situações-limite, das quais não podem sair indiferentes.
O conto “Pessoas Partidas” não sintetiza o livro, mas nomeá-lo com esse título me pareceu adequado, pois os contos englobam esse “partir” em vários sentidos, tanto o de afastamento geográfico quanto o do fragmentar psíquico e até mesmo o da quebra literalmente física.
Em ‘O homem Cordial’, um advogado acorda um dia e se dá conta de que lhe tiraram algo essencial, e sai à procura do que está faltando, por mais absurda que seja sua busca; em ‘Passeio Noturno’, um professor criado pelos avós se revolta com o próprio envelhecimento; em ‘O Grande Circo’, uma fã de filmes antigos encontra a felicidade pelo autoengano; em ‘Despedida’, uma vítima de bullying planeja uma vingança enviesada.
O romance, por sua natureza e extensão, tolera falhas que jamais seriam admitidas pelo conto. Pela sua forma breve, o conto precisa dar o seu recado em poucas páginas – até mesmo em poucas linhas –, os elementos dramáticos devem ser enxutos, a ação concentrada, as frases milimetradas, o ritmo cronometrado.
Enquanto um romance seria uma maratona de resistência, permitindo pausas, cãibras e sprints ao longo do caminho, escrever um conto é tentar correr uma corrida de 100 metros com obstáculos tendo uma corrente amarrada ao pescoço.
Alguns dos maiores escritores do planeta são grandes contistas, como Milan Kundera, Italo Calvino e Alice Munro. Apesar de tudo isso, os livros de contos, por alguma razão obscura, seguem sendo preteridos por editores, desprezados pela crítica, escanteados de premiações literárias e, o pior de tudo, ignorados pelo público leitor.
