
A Dúvida tem raízes? No pensamento moderno ela se origina de um conjunto de reviravoltas nas crenças aparentemente mais sólidas. Tem raízes, portanto, porque depende de que aquilo em que acreditamos seja, por vários motivos, posto em questão.
Ludwig Wittgenstein, em Sobre A Certeza,a diz que a dúvida pressupõe um horizonte de crenças e que por isso não pode ser um pensamento originário.
Assim, a dúvida teria, inevitavelmente, raízes em crenças. Já a dúvida metódica, proposta por René Descartes nos primórdios da Modernidade, é a atitude, característica do filósofo de inspiração cética, de “duvidar de tudo”, só aceitando como verdadeiro o que resista a essa dúvida radical.
Um dos objetivos centrais deste livro consiste precisamente em mostrar a diferença fundamental entre a filosofia cética antiga, em que a dúvida não tem essa importância, e o pensamento moderno, quando ela consiste na etapa preparatória para a filosofia crítica.
É preciso esclarecer, portanto, até que ponto a dúvida moderna tem raízes no Ceticismo Antigo. O pano de fundo aqui será, pois, o confronto entre o Ceticismo Moderno, que herdamos até hoje e se caracteriza pela dúvida, e o Antigo, em que a noção central não é a dúvida, mas a sképsis, ou investigação, a diaphonía, ou conflito, e a époche, ou suspensão do juízo.
A fim de analisar as raízes da dúvida nesses dois contextos, apontarei as características definidoras do pensamento cético antigo, suas várias vertentes, seu desenvolvimento e posterior crise, chegando à sua quase extinção no contexto do Helenismo e da Antiguidade tardia.
Em seguida, discutirei os fatores que levaram à sua retomada na Modernidade e à sua consequente transformação, dando origem ao Ceticismo Moderno, o qual, se guarda alguma relação com o Ceticismo Antigo, é ao mesmo tempo profundamente diferente.
A Modernidade é um período histórico marcado pela introdução de novas questões e de novas formas de pensar.
Mesmo que essa ruptura radical com a tradição tenha sido questionada em vários aspectos – por exemplo, pelos chamados continuístas, como A.C. Crombie, que defende, em Medieval and Early Modern Science, as origens medievais da Ciência Moderna, e por historiadores da filosofia como Étienne Gilson, que destaca a influência escolástica em Descartes –, ainda assim a originalidade do pensamento moderno em relação ao que o antecedeu é evidente em vários sentidos, conforme veremos.











