A tarefa de se fazer história da leitura (do livro, da palavra impressa, do escrito etc..) está profundamente associada à expansão, perpetrada por historiadores de diversos matizes, dos tipos de fontes que “servem” para falar do passado. Este paradigma, banalizado pela repetição e pelo uso frequente por diversas tradições historiográficas, está vigente e nos permite buscar interpretações intrínsecas a textos produzidos com objetivos radicalmente distintos daquele que norteia o olhar do historiador.
Neste sentido, explorar um documento relacionado à história dos livros é, quase sempre, lançar um feixe de luz sobre práticas de leitura manifestas nas maneiras como as sociedades do passado organizaram, criaram ou apropriaram formas de sociabilidades relacionadas à palavra impressa.
Quando o alvo da reflexão é Portugal das Luzes, seguimos o caminho traçado por Ana Cristina Araújo, ao deslocar “o acento tónico da história do pensamento filosófico para a história da dinâmica comunicacional instaurada pela aproximação progressiva a um novo horizonte de conhecimentos, linguagens, sensibilidades, gostos e atitudes sociais, de matriz essencialmente europeia”.
Recorrendo às práticas da cultura escrita para tentar atingir uma “história a contrapelo” das luzes, espero poder descortinar ao leitor moderno como e o quanto os processos intelectuais associados ao Iluminismo inspiraram, motivaram ou moldaram comportamentos cotidianos.
Quero assim tentar responder à questão de um impacto mais generalizado do fenômeno complexo de reinterpretação da natureza levado a cabo nos séculos XVII e XVIII no universo estritamente intelectual, já bastante estudado pela historiografia. Para isso, sigo Robert Darnton, quando diz (sobre os censores) que “em vez de me concentrar na terminologia, espero captar a fraseologia – ou seja, o tom subjacente de um sistema cultural, suas atitudes tácitas e seus valores implícitos”.
Em Um Livro Sobre Livros, isto se aplicará a todos os agentes da palavra escrita investigados: colecionadores de livros, escritores de catálogos, tradutores, autores, censores, editores e leitores. Esses diversos papéis, às vezes simultâneos, às vezes sucedâneos ou, mais frequentemente, únicos, atendem à ideia de que a palavra impressa – o livro – é também um “registro, ainda que opaco, de um modo de vida, de paixões, de meios de escolha [e] de ‘ânimos’”.