Propondo uma relação entre as cantorias tradicionais e os cantos das igrejas, Clarinda produz uma etnografia dialógica, centrada na contextualização do seu lugar de fala e no registro de sua trajetória de vida, com destaque à sua luta como mulher indígena na cidade e a todo o percurso por ela caminhado para a consolidação da formação acadêmica como mestre em Antropologia Social.
A narração de sua própria história traduz também a experiência que ela tem com as cantorias Sateré-Mawé, assim como, na ativação da memória da cosmologia musical de seu povo, evidencia outro tipo de musicalidade muito presente no cotidiano das aldeias visitadas por Clarinda: a dos cantos das igrejas, produtos de um violento período colonizador e catequético/evangelizador, que proibiu a manifestação das cantorias tradicionais.
Para apresentar todo esse tempo e espaço da vida Sateré-Mawé, a autora faz o relato das cantorias, de dois gêneros específicos, as cantorias de mulheres e as do ritual da Tucandeira, mostrando como a performance musical transmite conhecimentos e revela processos socioculturais da formação da pessoa Sateré-Mawé.
De acordo com Clarinda, “as cantorias falam da cosmologia, da história, da luta, da relação e comunicação com os animais. É uma maneira específica de expressar o ser Sateré-Mawé e a transmissão de conhecimento à nova geração”.
Por essa razão, para a autora, a música, nesta obra, é uma categoria antropológica de cantoria; justamente por não somente representar a musicalidade, mas também por contar uma história, transmitir um conhecimento – a do seu povo.
Além disso, no último capítulo, Clarinda mostra o contexto histórico da presença das igrejas nas aldeias Sateré-Mawé, retratando a luta e as resistências das lideranças para não serem vencidas pela cultura do branco.
Destaca, por exemplo, como os cantos das igrejas (católicas, evangélicas e adventistas) foram ressignificados pelos Sateré-Mawé e, hoje, tornam-se também cantorias, pois, neles, são acionados os elementos da cultura desse povo (animais, florestas, cosmologias) em uma dinâmica social para não perder a essência indígena.
Segundo Clarinda Maria Ramos, esse é o “novo” jeito de ser Sateré-Mawé, que valoriza a sua cultura e a identidade indígena e reage às investidas das igrejas.