Até onde lembro, meu primeiro contato com a política foi edificante. Eu e um vizinho, ambos com 7 anos de idade, fizemos megafones de papel e começamos a chamar de bandidos, nome por nome, todos os candidatos cujos santinhos nos foram entregues dias antes naquele ano de eleição estadual. Éramos uma espécie de versão miniatura do padre Antonio Vieira a recitar o seu famoso sermão do bom ladrão.
O segundo contato já foi menos edificante, embora em parte oportuno. Era março de 1985. Cheguei à escola pela manhã e fui informado de que não haveria aula. Motivo? O presidente recém-eleito Tancredo Neves havia morrido.
Aos 9 anos de idade, como o leitor deve imaginar, no rol das minhas preocupações mais sérias não constava saber os detalhes da política nativa, pelo que a notícia não me abalou instantaneamente.
Fui embora feliz, salvo engano porque era um dia de aulas tediosas. Mas no caminho de volta para casa pensei por que diabos a morte de um presidente me obrigava a perder um dia no colégio que meus avós tanto se esforçavam para pagar. Por que um colégio católico privado decidira dispensar seus alunos por uma questão política que se passava em Brasília? Para mostrar minha indignação pública, fiz o único gesto político que estava na época ao meu alcance: peguei um doce de leite e o mordi com fervor anarquista.
Mais de duas décadas depois, naquele momento da vida em que o brasileiro precisa decidir entre ser funcionário ou vítima do governo, decidi largar tudo o que eu ainda não havia construído para iniciar uma vida acadêmica como estudante de teoria e filosofia política, e uma nova atividade profissional, que, na falta de melhor termo equivalente ao de auxiliar de serviços gerais, chamo de empreendedor intelectual.
Ao iniciar em 2007 o mestrado no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa em Lisboa, que depois me levaria a estudar na Universidade de Oxford, as leituras, observações, conversas e reflexões sobre a política brasileira me conduziram a um problema que parecia dramático porque insolúvel: por qual razão nós, que tínhamos uma imagem tão compreensivelmente negativa sobre os políticos, achávamos que o governo deveria resolver os problemas do país?
Pare De Acreditar No Governo
- Ciências Sociais
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