Agostinho da Silva é um dos maiores filósofos portugueses e uma figura singular e interveniente na sociedade e na cultura do século XX. A sua obra centra-se na ideia de liberdade como atributo supremo da condição humana.
Leitor entusiasta das biografias de Agostinho da Silva, onde o molde moral, de cunho edificante, plutarquiano, se impõe, o que não equivale a anular a vivacidade da eloquência ou a pintura cenográfica, sempre avaliei — primeiro com vago e hesitante pressentimento, depois, à medida que fui bebendo a variedade e a invulgar riqueza dos passos deste homem, com precisa nitidez — uma vida de Agostinho da Silva, seguindo de perto o género tal qual ele o praticou em tantos e tantos trabalhos, nas décadas de 30 e 40 do século XX.
Ainda assim, independentemente da inquestionável nobreza moral e da ética grandiosa, capaz de firmar um exemplo heróico, o caso de Agostinho é diferente do de Moisés, do de Miguel Ângelo, do de Francisco de Assis, do de Pestalozzi, do de Lamennais, do de Pasteur, do de Zola, do de Leonardo da Vinci, do de Alexandre Herculano e de tantos outros que ele biografou. Sobre qualquer deles, à época em que o escritor português por eles se interessou, existia à disposição do estudioso um vasto repositório de dados, fruto de aturada investigação anterior, a bem dizer definitiva de tão exaustiva, que assegurava um sólido conhecimento dos itinerários, permitindo assim, sem fugas nem invenções, a elaboração duma narrativa ininterrupta, centrada em exclusivo na construção eloquente do exemplo ético, narrativa livre de pesquisas e de acumulações enfadonhas de factos e de pormenores.
Não é essa neste momento a situação de Agostinho da Silva. O seu percurso — recente, disperso no espaço, muito longo no tempo e animadíssimo de eventos — tem inúmeras zonas de sombra, ou até de escuridão, verdadeiros vazios, buracos sem fundo, alguns de adiantado diâmetro, que não permitem em consciência a montagem duma narrativa desenvolta, solta de preocupações inquiridoras e tendo apenas por alvo a construção didáctica duma personagem exemplar, que a tal aspira o modelo biográfico praticado por Agostinho. É que ao contrário do que sucedeu com Agostinho, que pôde trabalhar sobre documentos já elaborados, em geral fidedignos, os documentos sobre o autor luso-brasileiro não existem, ou quando existem não são conhecidos ou não estão trabalhados num contínuo biográfico justificado.
O Estranhíssimo Colosso
- Biografia, Filosofia
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