A turbulência política de Israel surge constantemente na literatura de Amós Oz, mas não em O mesmo mar. Neste romance introspectivo e poético, as guerras existem, mas são guerras da intimidade – como a do próprio Oz, que no livro aparece no papel de um escritor e faz referência a uma tragédia pessoal: o suicídio de sua mãe, quando ele tinha doze anos. A certa altura da narrativa, uma mulher jovem vai lhe dizer que há algo de ridículo num homem que há 45 anos está de luto pela mãe. O autor, entretanto, é uma personagem a mais, e o vigor do romance evidentemente não se vincula a essa exposição autobiográfica direta.
O mesmo mar surpreende antes de tudo pelo alto grau de elaboração literária, pela profusão e riqueza de suas formas. O enredo vai se revelando numa seqüência de seções curtas, compostas às vezes no tom casual e ameno das conversas de todo dia, às vezes como parábola bíblica, fábula, sonho ou poema. O mundo em que vivem as personagens de Amós Oz é barulhento, mas o romance, paradoxalmente, cria um intimismo que convida os leitores a se concentrar no que elas estão dizendo.
Não longe do mar, o senhor Albert Danon mora na rua Amirim, sozinho. Adora azeitonas e queijo de ovelha. Contador fiscal, um homem brando, perdeu a esposa não faz muito tempo. Nádia Danon morreu certa manhã de câncer no ovário, deixando alguns vestidos, uma penteadeira, algumas toalhas de mesa finamente bordadas. O único filho, Enrico David, ou Rico, foi para o Tibet escalar montanhas.
Aqui em Bat Yam a manhã de verão está quente e pegajosa, mas naquelas montanhas a noite já desce. A neblina paira baixo, formando rodamoinhos nas ravinas. O vento penetrante uiva como um bicho, e a luz que se extingue parece-se mais e mais com um sonho mau.
Aqui o caminho se bifurca: uma trilha é abrupta, a outra é suave.
O mapa não mostra nada disso, nenhuma bifurcação, e, como a tarde escurece e o vento açoita, granizo afiado, Rico tem de adivinhar por onde ir: ou desce pelo caminho mais curto, ou pelo mais fácil.