Adélia Prado, uma das mais renomadas autoras brasileiras, sabe como ninguém retratar a alma e os sentimentos femininos em seus poemas, contos e romances. Acostumada a verbalizar em sua obra a perplexidade e o encanto, norteados pela fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico – uma das características de seu estilo único –, a poetisa mineira usa o mais comum da vida cotidiana em um tom doce e apaixonado para recriar a vida do interior mineiro por meio de uma linguagem inovadoramente feminina.
Neste único volume repleto de seu imaginário acolhedor, encontram-se todos os poemas de Bagagem, O coração disparado, Terra de Santa Cruz, O pelicano, A faca no peito, Oráculos de maio, A duração do dia e Miserere. Esta edição conta ainda com textos de Carlos Drummond de Andrade e Affonso Romano de Sant’Anna e posfácio de Augusto Massi. Um verdadeiro presente para o leitor de clássicos da literatura brasileira.
Com Licença Poética
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.