Discurso De Primavera E Algumas Sombras

O poeta já andava além do outono, aos 75 anos de idade, quando seu Discurso de primavera e algumas sombras saiu do prelo, em finais de 1977. A velhice da mão não lhe impedia a renovação da pena.

E assim ele deixava passar uma oportunidade (que podia ser sua última) de se entregar ao clássico lugar-comum pelo qual o versejador idoso lamentava estar numa reta final, na estação em que a natureza recomeçaria mais um ciclo.
Aposentadoria? Vida contemplativa? Nada disso, pelo que informava a “orelha”: aquele não seria um “livro de individualismo poético, mais voltado para o eu do que para o mundo”. Ao contrário, o que se prometia ali era “antes a participação ativa do poeta, como artista e como consciência, no processo global em que estamos empenhados”.
Ficara para trás o Drummond outonal de Claro enigma (1951) e Fazendeiro do ar (1954), que parecia ter banido para sempre de sua obra a noção de uma escrita participante ou empenhada politicamente. E retornava, numa espécie de segunda maturidade, o anterior, que em livros como Sentimento do mundo (1940) e A rosa do povo (1945) conquistara uma reputação de “poeta público”.
Nesse passado distante, quando ainda estava inclinado ao comunismo, ele afirmava um “tempo de partido” e de “homens partidos”. Mas sua política na velhice passaria a reclamar uma totalidade em extinção: “eterno (e amoroso) é o homem/ ligado ao quadro natural”. A participação pública da poesia tardia de Drummond tinha trocado a antiga sensibilidade social por uma preocupação ecológica, à qual também se associava uma postura pacifista e eminentemente civil. E isto no contexto de um mundo armado até os dentes, conturbado pela Guerra Fria e, na ditadura do Brasil, pelo confronto entre generais à direita e guerrilheiros à esquerda.
Em meio a tanta polarização, Drummond assumira a posição da mais rigorosa equidistância. Desde o final da década de 1940 estava desiludido com a militância partidária e com as utopias planificadoras da vida. Mas o clima revolucionário dos anos 1970 trouxera novas bandeiras, às quais o poeta não se manteve insensível.
Um sentido de urgência afastava esse último Drummond das acomodações próprias da terceira idade. “Que alguém te cante e te descante/ ficou urgente, Primavera” — escreveu ele, como quem escreve num “papel aberto às gentes”. A expressão parece referir-se à própria poesia, pelo caráter de publicidade que ela tem, mas originalmente se liga de maneira mais direta ao jornal cotidiano, onde todas as emergências do tempo vão desembocar.

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O poeta já andava além do outono, aos 75 anos de idade, quando seu Discurso de primavera e algumas sombras saiu do prelo, em finais de 1977. A velhice da mão não lhe impedia a renovação da pena. E assim ele deixava passar uma oportunidade (que podia ser sua última) de se entregar ao clássico lugar-comum pelo qual o versejador idoso lamentava estar numa reta final, na estação em que a natureza recomeçaria mais um ciclo.
Aposentadoria? Vida contemplativa? Nada disso, pelo que informava a “orelha”: aquele não seria um “livro de individualismo poético, mais voltado para o eu do que para o mundo”. Ao contrário, o que se prometia ali era “antes a participação ativa do poeta, como artista e como consciência, no processo global em que estamos empenhados”.
Ficara para trás o Drummond outonal de Claro enigma (1951) e Fazendeiro do ar (1954), que parecia ter banido para sempre de sua obra a noção de uma escrita participante ou empenhada politicamente. E retornava, numa espécie de segunda maturidade, o anterior, que em livros como Sentimento do mundo (1940) e A rosa do povo (1945) conquistara uma reputação de “poeta público”.
Nesse passado distante, quando ainda estava inclinado ao comunismo, ele afirmava um “tempo de partido” e de “homens partidos”. Mas sua política na velhice passaria a reclamar uma totalidade em extinção: “eterno (e amoroso) é o homem/ ligado ao quadro natural”. A participação pública da poesia tardia de Drummond tinha trocado a antiga sensibilidade social por uma preocupação ecológica, à qual também se associava uma postura pacifista e eminentemente civil. E isto no contexto de um mundo armado até os dentes, conturbado pela Guerra Fria e, na ditadura do Brasil, pelo confronto entre generais à direita e guerrilheiros à esquerda.
Em meio a tanta polarização, Drummond assumira a posição da mais rigorosa equidistância. Desde o final da década de 1940 estava desiludido com a militância partidária e com as utopias planificadoras da vida. Mas o clima revolucionário dos anos 1970 trouxera novas bandeiras, às quais o poeta não se manteve insensível.
Um sentido de urgência afastava esse último Drummond das acomodações próprias da terceira idade. “Que alguém te cante e te descante/ ficou urgente, Primavera” — escreveu ele, como quem escreve num “papel aberto às gentes”. A expressão parece referir-se à própria poesia, pelo caráter de publicidade que ela tem, mas originalmente se liga de maneira mais direta ao jornal cotidiano, onde todas as emergências do tempo vão desembocar.

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