O projeto de pesquisa de Antonio de Brito que ora se publica sempre foi inquietante, e em várias frentes, política, histórica, institucional.
Política porque se trata de investigar o lugar do poeta Meleto na famosa querela do julgamento de Sócrates e na invisibilização do lugar de fala do poeta nela.
O protagonismo de Sócrates e, por extensão, de Platão soterrou qualquer discussão a respeito das razões que teriam levado o poeta a apresentar denúncia contra o filósofo; tanto na filosofia quanto nas ciências políticas e/ou jurídicas, Meleto e seus devires de denunciante são verdadeiros não-ser, desempenhando um papel de subalternidade tão inquietante que sequer se sabe ao certo seu nome Meleto, Maleto, M….
Na história e na crítica literária tal invisibilização segue a mesma toada, com um agravante da mais alta importância: sabe-se ser poeta, mas não se tem notícia de qualquer um de seus poemas, a ponto de José Paulo Paes, o grande poeta e tradutor da literatura de invenção, no seu fundamental Poemas da poesia grega e palatina incluir Platão como poeta, mas sequer mencionar o nome de Meleto, muito menos traduzir qualquer um de seus
poemas.
É daí que surge a terceira inquietante chave da pesquisa de Antonio de Brito, que chamo institucional: estudar um poeta que não deixou um único poema, ou seja, problematizar um não-objeto ou a existência de um vazio, mas de um vazio enormemente relevante para o pensamento ocidental, visto não poder se pensar a trajetória de Sócrates sem ele.
Tal vazio ou não-objeto coloca problemas novos e aporísticos para a própria pesquisa em literatura e pra ciência em geral: como estudar, com metodologias todas elas baseadas numa ciência dos objetos, um objeto pleno de vazio? Que é na medida única de não ser? Que funda sua existência no seu não existir?
É nas bordas e em suas dobras que Antonio de Brito vai buscar as respostas, sempre provisórias, a suas perguntas, por isso o lugar central que ocupam os prefaciadores das duas obras gregas em que o poeta aparece, as apologias de Platão e de Xenofonte.
É deles que a pesquisa vai retirar, lateralmente, o lugar de fala do poeta e suas consequências, inclusive, para a evolução do pensamento de Platão, que culmina na expulsão do poeta na sua obra maior, a República, o que permite ao autor inferir ou sugerir sub-repticiamente que Meleto, o poeta, não é só relevante ou peça chave na vida/obra de Sócrates, mas também em Platão.