Confissões

A mais de 1600 anos de sua redação e apesar da bibliografia interminável que geraram, as Confissões ainda são um livro inclassificável. Tanto do ponto de vista literário quanto do filosófico, a obra não corresponde a nenhum padrão conhecido.


Tampouco, em que pese sua enorme influência, criou descendentes diretos. Seu duplo estatuto de obra-prima literária e texto fundamental do pensamento filosófico mais atrapalha do que ajuda sua definição.
A ausência de modelos e o excesso de chaves de leitura deixam o leitor e o tradutor perplexos. O que se deve privilegiar: o prazer do texto ou a precisão conceitual? O rigor argumentativo ou a sofisticação oratória? Obviamente, não há resposta unívoca, apenas soluções pontuais, frase por frase, palavra por palavra.
Mas isso já levanta uma questão mais geral: se as Confissões foram redigidas como obra filosófica e religiosa, por que uma elaboração textual tão extrema, excepcional até para um virtuose como Agostinho? Qual a relação entre a sofisticação do estilo literário e a profundidade dos assuntos tratados?
Talvez uma questão fundamental esteja aí, nesse nó filosófico/estético: para tentar desatá-lo, seria preciso estabelecer a intenção da obra no contexto em que foi produzida — ou, pelo menos, delimitar seu assunto. E nem essa é tarefa fácil.
Haveria um assunto único?
A narrativa da vida do autor e de sua conversão, pela qual as Confissões costumam ser consideradas a primeira autobiografia da literatura ocidental (e a isso também precisaremos voltar), ocupa os primeiros nove livros, mais curtos, mais ou menos a metade da obra.
Não é um relato completo: partindo do nascimento, em 354, chega ao batismo de Agostinho e à morte de Mônica, sua mãe, em 387.
O livro X, o mais extenso, é um tratado sobre a alma: não a alma em geral, conforme uma tradição neoplatônica já consolidada da qual Agostinho, aliás, tira bastante proveito, e sim a alma do autor, como ele a percebe no momento em que está escrevendo, num exercício de introspecção sem precedentes na literatura clássica.
Finalmente, os três últimos livros são dedicados a uma interpretação do primeiro capítulo do Gênesis, conduzida também de maneira bastante original: a famosa análise do tempo se encontra nessa seção, no livro XI; a reflexão sobre a pluralidade de sentidos do texto bíblico, muito importante para a futura hermenêutica, está no livro XII. Mas qual é a relação entre autobiografia, psicologia e exegese?
De novo: o que Agostinho pretendia escrever?

   

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Tampouco, em que pese sua enorme influência, criou descendentes diretos. Seu duplo estatuto de obra-prima literária e texto fundamental do pensamento filosófico mais atrapalha do que ajuda sua definição.
A ausência de modelos e o excesso de chaves de leitura deixam o leitor e o tradutor perplexos. O que se deve privilegiar: o prazer do texto ou a precisão conceitual? O rigor argumentativo ou a sofisticação oratória? Obviamente, não há resposta unívoca, apenas soluções pontuais, frase por frase, palavra por palavra.
Mas isso já levanta uma questão mais geral: se as Confissões foram redigidas como obra filosófica e religiosa, por que uma elaboração textual tão extrema, excepcional até para um virtuose como Agostinho? Qual a relação entre a sofisticação do estilo literário e a profundidade dos assuntos tratados?
Talvez uma questão fundamental esteja aí, nesse nó filosófico/estético: para tentar desatá-lo, seria preciso estabelecer a intenção da obra no contexto em que foi produzida — ou, pelo menos, delimitar seu assunto. E nem essa é tarefa fácil.
Haveria um assunto único?
A narrativa da vida do autor e de sua conversão, pela qual as Confissões costumam ser consideradas a primeira autobiografia da literatura ocidental (e a isso também precisaremos voltar), ocupa os primeiros nove livros, mais curtos, mais ou menos a metade da obra.
Não é um relato completo: partindo do nascimento, em 354, chega ao batismo de Agostinho e à morte de Mônica, sua mãe, em 387.
O livro X, o mais extenso, é um tratado sobre a alma: não a alma em geral, conforme uma tradição neoplatônica já consolidada da qual Agostinho, aliás, tira bastante proveito, e sim a alma do autor, como ele a percebe no momento em que está escrevendo, num exercício de introspecção sem precedentes na literatura clássica.
Finalmente, os três últimos livros são dedicados a uma interpretação do primeiro capítulo do Gênesis, conduzida também de maneira bastante original: a famosa análise do tempo se encontra nessa seção, no livro XI; a reflexão sobre a pluralidade de sentidos do texto bíblico, muito importante para a futura hermenêutica, está no livro XII. Mas qual é a relação entre autobiografia, psicologia e exegese?
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