Os Infortúnios Da Virtude

No ano de 1787, na turbulenta época em que a França se preparava para a sua grande Revolução, o marquês de Sade, prisioneiro da Bastilha, a despeito de uma incômoda infecção ocular que o atormentava, escreveu Os infortúnios da virtude, em apenas duas semanas.

De início, a obra seria apenas um “conto” destinado a fazer parte da coletânea Contes et Fabliaux du XVIII siècle, mas logo a história da heroína virtuosa começa a ganhar corpo na imaginação de Sade, tornando-se não apenas um romance, mas a versão primitiva de outras duas obras: Justine, as desgraças da virtude, de 1791, e a monumental A nova Justine, seguida da história de Juliette, sua irmã, de 1797. Durante dez anos, a saga das duas irmãs opostas, uma trilhando a carreira da virtude, a outra a do crime, inflamou a mente do escritor. O pequeno romance deu assim origem a uma obra de mais de quatro mil páginas, tornando-se, nas palavras de Maurice Blanchot, o verdadeiro “Inferno das bibliotecas”.
Em um pequeno ensaio sobre Sade, Octavio Paz questiona qual seria o “segredo” de Justine. Sabemos que os libertinos sadianos sentem prazer e se divertem à custa dos infortunados, mas e Justine, o que sente? Não sabemos. Só podemos imaginar. Como diz um dos preceptores de A filosofia na alcova, “há coisas que exigem véus”. Há coisas que só fazem sentido na perspectiva da razão libertina. O que levaria então um escritor a inverter radicalmente a tônica dos romances deste século, nos quais o tema da “inocência punida” fazia desfilar aos olhos do leitor o triunfo da virtude sobre o vício? Sabemos que não se trata de masoquismo, que as inclinações dos lânguidos heróis de Masoch correspondem a outro universo, a outra lógica de funcionamento das disposições eróticas. Conhecemos também as artimanhas de Sade, o fato corriqueiro de em suas narrativas uma vítima raramente sentir algum tipo de prazer, com exceção dos espirituais. O prazer das vítimas inibe o mecanismo do gozo perverso dos libertinos, inviabilizando a prática da crueldade.
Octavio Paz acredita que Sade não acrescenta muito acerca desse “silêncio” por parte de suas personagens-vítimas porque lhe faltava certas habilidades como romancista. No dizer de Paz, Sade “era incapaz de pintar ou recriar sentimentos e sensações”.

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No ano de 1787, na turbulenta época em que a França se preparava para a sua grande Revolução, o marquês de Sade, prisioneiro da Bastilha, a despeito de uma incômoda infecção ocular que o atormentava, escreveu Os infortúnios da virtude, em apenas duas semanas. De início, a obra seria apenas um “conto” destinado a fazer parte da coletânea Contes et Fabliaux du XVIII siècle, mas logo a história da heroína virtuosa começa a ganhar corpo na imaginação de Sade, tornando-se não apenas um romance, mas a versão primitiva de outras duas obras: Justine, as desgraças da virtude, de 1791, e a monumental A nova Justine, seguida da história de Juliette, sua irmã, de 1797. Durante dez anos, a saga das duas irmãs opostas, uma trilhando a carreira da virtude, a outra a do crime, inflamou a mente do escritor. O pequeno romance deu assim origem a uma obra de mais de quatro mil páginas, tornando-se, nas palavras de Maurice Blanchot, o verdadeiro “Inferno das bibliotecas”.
Em um pequeno ensaio sobre Sade, Octavio Paz questiona qual seria o “segredo” de Justine. Sabemos que os libertinos sadianos sentem prazer e se divertem à custa dos infortunados, mas e Justine, o que sente? Não sabemos. Só podemos imaginar. Como diz um dos preceptores de A filosofia na alcova, “há coisas que exigem véus”. Há coisas que só fazem sentido na perspectiva da razão libertina. O que levaria então um escritor a inverter radicalmente a tônica dos romances deste século, nos quais o tema da “inocência punida” fazia desfilar aos olhos do leitor o triunfo da virtude sobre o vício? Sabemos que não se trata de masoquismo, que as inclinações dos lânguidos heróis de Masoch correspondem a outro universo, a outra lógica de funcionamento das disposições eróticas. Conhecemos também as artimanhas de Sade, o fato corriqueiro de em suas narrativas uma vítima raramente sentir algum tipo de prazer, com exceção dos espirituais. O prazer das vítimas inibe o mecanismo do gozo perverso dos libertinos, inviabilizando a prática da crueldade.
Octavio Paz acredita que Sade não acrescenta muito acerca desse “silêncio” por parte de suas personagens-vítimas porque lhe faltava certas habilidades como romancista. No dizer de Paz, Sade “era incapaz de pintar ou recriar sentimentos e sensações”.

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