Éramos Mais Unidos Aos Domingos

Sérgio Porto deixou algumas das crônicas mais engraçadas da literatura brasileira. Seu olhar para fotografar com humor no cotidiano, sua habilidade em apresentar a comédia da vida brasileira

e seu ouvido para captar as irresistíveis expressões inventadas no dia a dia do Rio de Janeiro dos anos 1950 e 1960 o colocaram no panteão de nosso melhor humor literário.
Esta seleção reúne vinte e sete crônicas com as mais evidentes características de um autor lembrado até hoje por sua prosa inteligente e bem-humorada. E também um lado mais nostálgico e lírico, de um cronista que sabia a hora de fazer rir e a de emocionar seus leitores com agridoces recordações.
Porque Sérgio Porto — que também escrevia sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta — foi um dos nomes mais múltiplos da nossa crônica. Ao lado de Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga, conseguiu converter esse tipo de texto breve, geralmente veiculado na imprensa, no mais brasileiro e delicioso de todos os gêneros literários.

No exato momento em que eu entrava no botequim para comprar cigarros, ouvi a voz do homem perguntar por trás de mim:
— Tem refresco de cajá?
O outro, por trás do balcão, olhou espantado:
— De caju?
— Não senhor, de cajá mesmo.
Não tinha. Não tinha e ainda ficou danado. Ora essa, por que razão havia de ter refresco de cajá? Ainda se fosse de caju, vá lá. É verdade que refresco de caju também não havia, mas, de qualquer modo, era mais viável ter de caju do que de cajá, fruta difícil, que só de raro em raro se encontra e, assim mesmo, por um preço exorbitante.
E ainda irritado, disse:
— Por que não pergunta na Colombo? Aposto que lá também não vendem refresco de cajá. E o senhor sabe disso, o senhor está pedindo aqui para desmoralizar o estabelecimento.
Não era de briga e nem estava querendo desmoralizar ninguém. De repente — ao entrar ali para tomar café — sentira cheiro de cajá e, como na sua terra havia muito daquela fruta, ficara com vontade de tomar um refresco.
O que servia caiu em si, esqueceu o seu complexo de trabalhar no café fuleiro e não na Colombo. Depois desculpou-se com um sorriso de poucos dentes e perguntou se não queria uma laranjada. Uma laranjada sempre se pode arranjar.
O outro recusou com um abano de cabeça e saiu encabulado, talvez por ter revelado em público um tão puro sentimento íntimo — a saudade de sua terra.

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Esta seleção reúne vinte e sete crônicas com as mais evidentes características de um autor lembrado até hoje por sua prosa inteligente e bem-humorada. E também um lado mais nostálgico e lírico, de um cronista que sabia a hora de fazer rir e a de emocionar seus leitores com agridoces recordações.
Porque Sérgio Porto — que também escrevia sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta — foi um dos nomes mais múltiplos da nossa crônica. Ao lado de Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga, conseguiu converter esse tipo de texto breve, geralmente veiculado na imprensa, no mais brasileiro e delicioso de todos os gêneros literários.

No exato momento em que eu entrava no botequim para comprar cigarros, ouvi a voz do homem perguntar por trás de mim:
— Tem refresco de cajá?
O outro, por trás do balcão, olhou espantado:
— De caju?
— Não senhor, de cajá mesmo.
Não tinha. Não tinha e ainda ficou danado. Ora essa, por que razão havia de ter refresco de cajá? Ainda se fosse de caju, vá lá. É verdade que refresco de caju também não havia, mas, de qualquer modo, era mais viável ter de caju do que de cajá, fruta difícil, que só de raro em raro se encontra e, assim mesmo, por um preço exorbitante.
E ainda irritado, disse:
— Por que não pergunta na Colombo? Aposto que lá também não vendem refresco de cajá. E o senhor sabe disso, o senhor está pedindo aqui para desmoralizar o estabelecimento.
Não era de briga e nem estava querendo desmoralizar ninguém. De repente — ao entrar ali para tomar café — sentira cheiro de cajá e, como na sua terra havia muito daquela fruta, ficara com vontade de tomar um refresco.
O que servia caiu em si, esqueceu o seu complexo de trabalhar no café fuleiro e não na Colombo. Depois desculpou-se com um sorriso de poucos dentes e perguntou se não queria uma laranjada. Uma laranjada sempre se pode arranjar.
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