Babel: Entre A Incerteza E A Esperança

“Sou de um país vertiginoso, onde a loteria é a parte principal da realidade”: um lugar em que “o número de sorteios é infinito”, “nenhuma decisão é final, todas se ramificam noutras”.


Estas são palavras de Jorge Luis Borges, em seu conto “A loteria na Babilônia”.
A loteria é uma instituição que recicla a vida mortal, transformando-a numa sequência interminável de novos começos. Cada novo começo pressagia outros riscos, mas num pacote que compreende novas oportunidades. Nenhum dos começos é definitivo e irrevogável. Com a loteria na Babilônia, os gregos inventaram uma maneira de extrair o veneno da mordida desta peste: a incerteza. Continuemos nossa leitura:
Conheci o que ignoram os gregos: a incerteza. Numa câmara de bronze, diante do lenço silencioso do estrangulador, a esperança foi-me fiel; no rio dos deleites, o pânico. Heráclides Pôntico conta com admiração que Pitágoras se lembrava de ter sido Pirro e antes Euforbo e antes ainda um outro mortal; para recordar vicissitudes análogas não preciso recorrer à morte, nem tampouco à impostura.
Devo essa variedade quase atroz a uma instituição que outras repúblicas ignoram ou que nelas funciona de maneira imperfeita e secreta: a loteria.
Graças à loteria, muitas vidas podem acomodar-se na vida de um único mortal. Mediante essa acomodação, o espectro formidável e angustiante da incerteza é expulso – ou antes remodelado, transformado, de fardo aterrorizante em trunfo arrebatador, estimulante. Em vez de mais do mesmo, ao comprar um bilhete você opta pelo novo; e assina um cheque em branco que não lhe cabe preencher.
Como admite o narrador, “essas ‘loterias’ fracassaram. A sua virtude moral era nula. Não se dirigiam a todas as faculdades do homem: unicamente à esperança”. Os donos de bilhetes de loteria “expunham-se ao duplo risco de ganhar uma soma e de pagar uma multa”. Não é de admirar que houvesse uma legião de babilônios covardes, mal-intencionados, que preferia aceitar o que já possuía e resistir à tentação de um novo bem-estar – e assim furtar-se ao maquinismo da loteria.

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“Sou de um país vertiginoso, onde a loteria é a parte principal da realidade”: um lugar em que “o número de sorteios é infinito”, “nenhuma decisão é final, todas se ramificam noutras”.
Estas são palavras de Jorge Luis Borges, em seu conto “A loteria na Babilônia”.
A loteria é uma instituição que recicla a vida mortal, transformando-a numa sequência interminável de novos começos. Cada novo começo pressagia outros riscos, mas num pacote que compreende novas oportunidades. Nenhum dos começos é definitivo e irrevogável. Com a loteria na Babilônia, os gregos inventaram uma maneira de extrair o veneno da mordida desta peste: a incerteza. Continuemos nossa leitura:
Conheci o que ignoram os gregos: a incerteza. Numa câmara de bronze, diante do lenço silencioso do estrangulador, a esperança foi-me fiel; no rio dos deleites, o pânico. Heráclides Pôntico conta com admiração que Pitágoras se lembrava de ter sido Pirro e antes Euforbo e antes ainda um outro mortal; para recordar vicissitudes análogas não preciso recorrer à morte, nem tampouco à impostura.
Devo essa variedade quase atroz a uma instituição que outras repúblicas ignoram ou que nelas funciona de maneira imperfeita e secreta: a loteria.
Graças à loteria, muitas vidas podem acomodar-se na vida de um único mortal. Mediante essa acomodação, o espectro formidável e angustiante da incerteza é expulso – ou antes remodelado, transformado, de fardo aterrorizante em trunfo arrebatador, estimulante. Em vez de mais do mesmo, ao comprar um bilhete você opta pelo novo; e assina um cheque em branco que não lhe cabe preencher.
Como admite o narrador, “essas ‘loterias’ fracassaram. A sua virtude moral era nula. Não se dirigiam a todas as faculdades do homem: unicamente à esperança”. Os donos de bilhetes de loteria “expunham-se ao duplo risco de ganhar uma soma e de pagar uma multa”. Não é de admirar que houvesse uma legião de babilônios covardes, mal-intencionados, que preferia aceitar o que já possuía e resistir à tentação de um novo bem-estar – e assim furtar-se ao maquinismo da loteria.

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