Outros Cantos

Numa travessia de ônibus pela noite, Maria, uma mulher que dedicou a vida à educação de base, entrelaça passado e presente para recompor uma longa jornada que nem mesmo a distância do tempo pode romper.

Em uma escrita fluida, conhecemos personagens cativantes de diversos lugares do mundo e memórias que desfiam uma série de impossíveis amores, dos quais Maria guarda lembranças escondidas numa “caixinha dos patuás posta em sossego lá no fundo do baú”. Com sutileza e domínio da narrativa, Maria Valéria Rezende vai compondo um retrato emocionante dessa mulher determinada, que sacrifica a própria vida em troca de algo maior. Outros cantos é um romance magistral, sobre as viagens movidas a sonhos.

Olho de novo o perfil do homem sentado do outro lado do estreito corredor deste ônibus no qual, hoje, cruzo mais uma vez um sertão, qualquer sertão. Vi-o pela janela quando irrompeu e acenou à margem da estrada, vindo de nenhum caminho, nenhuma habitação humana, emergindo do deserto, emaranhado compacto de garranchos e cactos. O ônibus parou arquejando, e eu adivinhei que ele vinha sentar-se ao meu lado, apesar de tantas cadeiras vazias. Ele veio, grande, maciço, cheirando a couro curtido, suor e tabaco.
O odor flui da minha memória, decerto, porque este ao meu lado veste-se como um caubói de rodeio e cheira a água-de-colônia barata. Sentou-se, as costas retas, as mãos pousadas sobre os joelhos, os olhos fixos perfurando o espaldar da poltrona à sua frente e assim ficou até agora. Difícil deixar de olhá-lo, ainda mais quando sua figura se transforma, à contraluz, em silhueta de perneira, gibão e chapéu de couro, estátua encourada revolvendo-me as lembranças. Agora que o sol se meteu por detrás das nuvens esfarrapadas, logo acima do horizonte, tingindo o mundo, o vaqueiro destaca-se, negro como xilogravura contra o fundo avermelhado, e percebo em mim uma sensação de suspensão e expectativa: desejo e espero que ele lance, enfim, o seu aboio. Há mais de quarenta anos carrego essa imagem e esse canto em algum socavão da alma que agora se ilumina.

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Numa travessia de ônibus pela noite, Maria, uma mulher que dedicou a vida à educação de base, entrelaça passado e presente para recompor uma longa jornada que nem mesmo a distância do tempo pode romper. Em uma escrita fluida, conhecemos personagens cativantes de diversos lugares do mundo e memórias que desfiam uma série de impossíveis amores, dos quais Maria guarda lembranças escondidas numa “caixinha dos patuás posta em sossego lá no fundo do baú”. Com sutileza e domínio da narrativa, Maria Valéria Rezende vai compondo um retrato emocionante dessa mulher determinada, que sacrifica a própria vida em troca de algo maior. Outros cantos é um romance magistral, sobre as viagens movidas a sonhos.

Olho de novo o perfil do homem sentado do outro lado do estreito corredor deste ônibus no qual, hoje, cruzo mais uma vez um sertão, qualquer sertão. Vi-o pela janela quando irrompeu e acenou à margem da estrada, vindo de nenhum caminho, nenhuma habitação humana, emergindo do deserto, emaranhado compacto de garranchos e cactos. O ônibus parou arquejando, e eu adivinhei que ele vinha sentar-se ao meu lado, apesar de tantas cadeiras vazias. Ele veio, grande, maciço, cheirando a couro curtido, suor e tabaco.
O odor flui da minha memória, decerto, porque este ao meu lado veste-se como um caubói de rodeio e cheira a água-de-colônia barata. Sentou-se, as costas retas, as mãos pousadas sobre os joelhos, os olhos fixos perfurando o espaldar da poltrona à sua frente e assim ficou até agora. Difícil deixar de olhá-lo, ainda mais quando sua figura se transforma, à contraluz, em silhueta de perneira, gibão e chapéu de couro, estátua encourada revolvendo-me as lembranças. Agora que o sol se meteu por detrás das nuvens esfarrapadas, logo acima do horizonte, tingindo o mundo, o vaqueiro destaca-se, negro como xilogravura contra o fundo avermelhado, e percebo em mim uma sensação de suspensão e expectativa: desejo e espero que ele lance, enfim, o seu aboio. Há mais de quarenta anos carrego essa imagem e esse canto em algum socavão da alma que agora se ilumina.

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